Durante a segunda guerra mundial/guerra fria, período no qual a paranoia estadunidense atingiu um pico apenas superado com o 9/11, o Departamento de Informação de Guerra Americano popularizou uma frase que virou o símbolo de uma época: Loose Lips Sink Ships.
A ideia era evitar que donas de casas comentassem casualmente, no salão de beleza, a localização de seus familiares na guerra, de modo a prevenir que a informação fosse parar em ouvidos inimigos. Mesmo coisas menos sensíveis como vagas de trabalho em empresas de mineração poderiam fornecer inteligência sobre a produção de navios de guerra.
A frase ? junto com muitas outras ? foi estampada em pôsteres e espalhada por todos os cantos do país, e não demorou para que esse mindset se espalhasse por toda sociedade. Transparência, que nunca fora meta de nenhuma indústria, passou a ser um pecado nefasto que deveria ser evitado a qualquer custo e punido com apedrejamento.
A paranoia chegou a um nível no qual um trabalhador evitava comentar com seu colega ao lado sobre qualquer coisa relacionada ao trabalho que ambos executavam juntos. Este comportamento, fortemente incentivado por nós empregadores, era agora reforçado por um dos maiores esforços de propaganda conhecidos pela humanidade. Ainda hoje, comentar sobre certas coisas é um tabu, e o maior deles segue sendo o mais sensível ao bom gerente goHorser: salário.
O tabu com relação a salário é um dos assets mais valiosos da empresa. É de suma importância que um peão não saiba quanto seus companheiros de labuta recebem no fim do mês.
O motivo é simples: a empresa contrata em diversos momentos, e a oscilação da curva oferta/procura acaba gerando oportunidade de contratar horses por menos do que os que seus colegas contratados em momentos menos oportunos. A Lei por estas bandas estabelece que 1) Dois peões contratados para a mesma função devem receber o mesmo salário; 2) Um salário não pode ser reduzido.
Como todo goHorser sabe, a lei pode ser totalmente ignorada na maioria dos casos, mas nesse em particular a mordida da Justiça do Trabalho pode ser dolorosa. Cabe ao bom gerente Go Horse achar o balanço entre oportunidade (salarios menores * escala) e risco (possibilidade de ações trabalhistas). O risco cai a patamares muito favoráveis se o horse nunca souber quanto os outros recebem.
Mas o que fazer para que o horse não saia por aí exibindo seu contra-cheque? Se você é um bom middle-manager, esta questão deve estar no cerne das suas preocupações diárias, superada apenas pelo seu handicap no torneio de Golfe da Diretoria.
A abordagem que vem se mostrando mais eficiente até o momento tem sido a aplicação da seguinte técnica: durante a revisão de performance, ou em momento de crise que exija revisar o salário de um horse específico, deixe que ele exponha todas as vicissitudes pelas quais vem passando, e com um olhar condescendente, incline-se em direção ao horse, olhe para os lados assegurando-se de que ninguém está ouvindo, e diga ao horse em tom de confidencia: ?Tá, vou te dar essa chance, mas não comenta com os outros hein! Senão??.
Este mecanismo de auto-supressão da informação é o que mantém a base da cadeia de custos no lugar, a pedra na qual está ancorado o nosso metafórico barco. A magistral cena de teatro descrita acima deve ser repetida exaustivamente, horse por horse, até que todos sintam calafrios quando algum desavisado tente levantar as informações a respeito de seu contra-cheque. Quando você se vir obrigado a dar uma esmola de aumento a algum horse, certifique-se de que ele pense ser o único agraciado.
Quanto ao contra-cheque, esse verdadeiro rombo nos nossos esforços de desinformação, não se preocupe mais com ele. Bastou comprar alguns deputados e ganhar o apoio dos abraçadores de árvores, e pronto: o contra-cheque não precisa mais ser impresso. A empresa já pode escondê-lo em algum link obscuro e em geral inacessível de sua hedionda intranet.
Resta apenas a possibilidade do horse livrar-se da programação mental ou acessar o irresponsável site glassdoor.com . Mas não perca seu sono, basta bloquear a internet dos horses e cuidar para que sua rotina de trabalho não lhes permita raciocinar quando estão em casa.