Tudo começou tão logo eu decidi:
- Preciso fazer uma faculdade…
Na emoção da juventude que doce surpresa foi conhecer o resultado do processo seletivo e festejar!
- Enfim, passei em uma universidade paga! - Era apenas o inicio da mais triste vida de um pobre condenado.
Tudo o que meu pai falara agora fazia mais sentido: “filho, você precisa ser alguém na vida… pois o mundo não terá pena de você.”. Quanta sabedoria!
O primeiro ano não foi fácil. Muitas matérias que desanimam os mais bravos de coração e determinados de espírito. Longas horas de Cálculo: Derivadas, Limites, Grafos e Algorítimos…
Aos poucos fui acostumando com a rotina. Mãos calejadas de escrever. Braço forte pela a imensa quantidade de livros a carregar. Eu parecia uma biblioteca ambulante andando pelos corredores da faculdade… Lembro-me dos grupos de estudo na biblioteca e dos momentos antes da prova, das pessoas com suas cópias e resumos, da aflição pela nota razoável…
Não era fácil, pensei em desistir, pensei em desapontar o meu pai, virar a casaca e fazer pedagogia…
Mas não! Eu era mais forte do que isso… Então insisti…
Porém o tempo passou e logo me esqueci dos conselhos de meu pai e dos meus sonhos para o futuro.
Amigos, bares, mulheres e bebidas entraram na minha vida.
As rotinas das aulas e os resumos se tornaram apenas um hábito.
Eu estava prestes a me destruir por completo.
Eis então que eu conheço um ser extremamente abominável: O orientador de curso.
Era a cartada final, o possível fim da minha vida e carreira:
- Um estágio é vital para conclusão do curso. - Ele me disse.
O início do pesadelo… Começaram as entrevistas.
Uma pessoa tão inexperiente neste mundo estranho… Eu não sabia nem o que falar. Me perguntavam qual a minha experiência e eu mentia dizendo que sabia Delphi.
“Como posso ter experiência se nunca trabalhei?” - Eu me questionava.
As portas se fechavam… Mais um estágio perdido. Afundei-me por completo. Aceitava entrevistas de estágio não remunerado. Entrevistas do outro lado da cidade… precisamente no fim do mundo.
Neste meio tempo algo muito sombrio sempre aparecia na minha Caixa de Entrada do Hotmail:
Estágio Programador Java:
Sólidos conhecimentos de Java, Struts, JSP, Hibernate, Javascript, html, Uml, Design Patterns e Arquitetura.
Eram termos que eu não fazia ideia do que se tratava e sempre com este caráter ameaçador. Temeroso eu apagava as mensagens…
Enfim, um dia conheci um cara muito estranho na faculdade. Ele aparecia quando você menos esperava. Estava sempre pelos cantos mais escuros dos bares… Um tanto quanto sinistro… Lembro-me daqueles óculos… Havia algo diabólico nele.
Então um dia ele me disse algo que jamais esquecerei:
- A solução é fazer um estágio como suporte técnico cara!!! Vai por mim!!! Você vai gostar!!!
Ele parecia ser uma pessoa bem vivida, ele sabia das coisas, afinal, já fazia anos que ele estudava ali. Não poderia estar mentindo para mim!
Então a desgraça aconteceu! Eu acreditei… Menos que um salário mínimo e um pão com mortadela era o que eu recebia por horas de xingamentos e problemas insolucionáveis. Tratado como uma mula debiloide eu divagava sem nenhum potencial de criatividade ou entusiasmo.
Minha vida parecia ter se acabado. Meus sonhos e meus planos morreram de vez. Eu vivia triste, desanimado, mal dormia, e não comia nada, literalmente. Não via meus amigos e família. O tempo ia passando e eu queria apenas sair desta. Eu queria um mundo novo. Minha alma pedia uma solução!
Então um dia, sentado com meus amigos em um bar perto da faculdade encontrei um velho conhecido… Ele me parecia muito bem e contente.
Ele estava bem vestido e tinha um bom carro do ano!
Conversa vai, conversa vem, acabei desabafando:
- Como minha vida era difícil!
Disse para ele que eu não sabia mais o que fazer e que pensava em desistir de tudo.
Então este conhecido me fez uma revelação surpreendente!
Ele me disse que já fazia alguns anos que pertencia a uma comunidade e que eu poderia fazer parte da mesma se eu quisesse.
Me disse que eu poderia fazer parte de algo que mudaria a minha vida.
Então ele me convidou a conhecer JAVA… E eu aceitei!
Lembro-me como se fosse hoje…
Fui recebido na secretaria de uma escola [ativamente ligada a um fórum]. Conheci os valores da iniciação.
Sem hesitar assinei os termos para adentrar naquele recinto…
A minha iniciação aconteceu numa noite chuvosa da semana… Eu estava com medo, não sabia o que poderia acontecer.
- Será que eu sobreviverei? Se aquele cara conseguiu eu com certeza conseguirei também!
Então recebi uma apostila. Então em pouco tempo fui iniciado nos mistérios da Orientação a Objetos.
Minha visão se abriu e algo diferente aconteceu. Era tudo novo, aquilo que parecia ser tão secreto e desconhecido na verdade me abriu a mente. Consegui ver quanto tempo eu perdi.
Aos poucos eu fui crescendo, subindo de graus. A cada novo curso eu recebia uma nova palavra de passe: Academia Java, Academia Web, Arquitetura e Design, etc.
Logo comecei a me senti superior aos meus antigos amigos. Agora eu detinha o conhecimento e esnobava a todos dizendo palavras que somente os iniciados sabiam: Facade, DAO, Encapsulamento, Polimorfismo… Era um prazer indescritível!
Mas eu não estava satisfeito. Eu queria mais! Chegou a minha a hora. Chegou o momento de conseguir meu primeiro emprego como programador Java!!!
Era uma manha de segunda-feira. O lugar parecia um sótão… Escuro, sombrio, húmido… Havia uma goteira sobre minha cabeça. Mas aquilo não seria o bastante para me desanimar…
Lembro-me do coordenador de TI, das analistas e dba´s. Conheci os casos de usos e os prazos de projetos.
Lembro-me do arquiteto “ultra-master-blaster” que dizia ter o poder de demitir quem ele queria dependendo do seu humor.
É verdade que eu tinha muito medo dele, mas eu não me incomodava. Eu me escondia o máximo possível dele.
Confesso que eu só me sentia aliviado quando ele se trancava em sua sala para “planejar” como a sua equipe iria fazer reuso de código.
E tudo foi acontecendo de forma rápida. Cada dia que passava eu adorava ainda mais aprender Java.
Depois de um tempo consegui ver melhor as coisas…
Descobri que gerentes de projetos possuem uma enorme dificuldade em manipular planilhas.
E que programadores seniores são inacessíveis e às vezes ignorantes com os mais novos.
Descobri que arquitetos são visitas esporádicas.
Eu aprendi mais linguagens, tags, frameworks, querys, diagramas, requisitos e patterns, que somando tudo eu seria um multiglota. Falaria Togolês local sem problemas e talvez algum outro dialeto de uma tribo indígena na Tanzânia.
Acima de tudo descobri que tudo que conquistei foi graças ao Java!
Os anos se passaram e hoje passo isto como um ensinamento aos mais novos… Para aqueles que ainda estão para enfrentar este mundo novo.
Eu conheci de perto e provei a triste realidade dos regimes de contratação: clt cotas, clt flex, clt full, quase clt, pj e cooperativas de trabalho
Vi de perto os projetos do extremo sul de São Paulo.
Ofertas de emprego em Alphaville, Santo Amaro, Pinheiros, Barueri e Berrine.
Vivenciei as infindáveis horas de trânsito na cidade, infindáveis horas de deploy na madrugada…
Casei, logo quase me separei…
Conheci bem de perto grandes oportunidades de trabalho:
Analista Programador Java Sênior
Projeto em grande multinacional, projeto por tempo indeterminado
Requisitos: Certificação Java: SCJP, SCJA, SCJD, SCWCD, SCBCD, SCJWS, SMAD, SCEA. Certificação Banco de Dados Access.
Contratação: PJ - regime CLT.
Salario: R$4.000,00
Conhecimentos: Tudo de java, tudo de web, tudo de banco de dados, todos os frameworks, todas as linguagens, tudo de hardware, tudo de tudo.
Exigência: Inglês fluente, Espanhol (desejável)
Tempo de Projeto: 3 meses (prorrogável)
Conheci as odiosas siglas de consultorias de TI e várias analistas de RH.
Fiz diversos testes Java com aqueles algorítimos lógicos e horripilantes,além de testes comportamentais.
Vi muitos amigos se venderem em projetos medíocres, analistas PJ caindo nas armadilhas do mercado, vivendo a vida de um CLT com os encargos de uma empresa.
Conheci os mais variados gêneros “sei-tudo”. Os arrogantes que pensam que são melhores do que os outros, os ignorantes que adoram humilhar aqueles desprovidos de cargos altos, títulos ou algumas certificações conquistadas com Test Killer. Conheci a incompetência de diversos coordenadores e gerentes de projetos, e os mais variados sonhos alucinados de clientes sem noção.
É verdade que também perdi muitos amigos pelo caminho, porém ganhei muitos outros.
Descobri na vida real que casos de uso e diagramas Uml servem apenas como rascunho na mesa, e que aprender jUnit e Jmeter não valem de nada.
Que boas práticas são piadas e que padrões de projetos em muitas empresas são um emaranhado de código complexo.
Descobri que Webservice é sinônimo de SOA ou vice-versa (?).
Conheci entidades esquisitas tal como um coordenador de projeto que adorava humilhar programadores juniores e mulheres.
Que gostava de se gabar por estar escrevendo um livro de SOA e ainda assim implementava com Axis nos seus projetos…
Descobri que inversão de controle e injeção de dependência deveria ser o ápice do bom código desacoplado, mas no fim era apenas um bom termo para um projeto usando Spring.
Além de ver legado com scriptlet e Action-linguiça sendo refatorado a exaustão. Descobri que metodologias como Scrum e Agile são utopia em TI.
Que Selenium é apenas um requisito que nunca é feito. Que Application Life Cycle, TDD, DDD, ninguém aplica e poucos sabem o que é.
Integração contínua e entrega contínua é um sonho inalcançável em alguns lugares.
Que Redmine e outros gerenciadores de requisitos são formas dos gerentes de projetos cobrarem prazos.
Que issue é encarado como lixo quando você é o responsável.
Que Cloud é o Boom do momento, escalabilidade é o tal… Que Arduino é bacana e Joomla um pé no saco…
Que derivados do Faces, JSF e companhia, da componentização, seria uma solução de View.
Descobri que GWT, EXT-JS são chatos pra caramba!
Que Struts foi adorado por muitos e odiado por diversos…
Já vi grandes paradigmas nascerem: Scala, Grails, noSQL… Mas no fim adotarem Java, Eclipse e JDBC.
Tão logo me dei conta, descobri que minha vida não teria tanto sentido se eu não tivesse vivido isso…
Dei-me conta, entretanto, que também me tornei uma pessoa estranha…
Uma pessoa que vê padrão onde não existe. Que tudo se torna análise. Que sempre existe mais que uma solução para um mesmo problema.
Dei-me conta dos amigos que fiz, comendo pizza de madrugada fazendo deploy no Weblogic. Da análise de design, tiers e layers.
Fazendo Tunning de VM ou turbinando o kernel do Linux. Quebrando a cabeça com Websphere, da encheção de saco do QA, ou quando um programador esquecia de fechar a conexão e até mesmo comitando sem “where”. Levando bronca quando a métrica caía…
Dei-me conta de que tudo que tenho é graças a este mundo de desenvolvimento! Que nem todos os lugares realmente são depósitos de recursos ou desenvolvimento de resquícios de projetos. Que existem equipes sérias e competentes, que aplicam o bom senso, tanto no código, na arquitetura, no relacionamento pessoal e na boa e velha amizade.
Dei-me conta que eu não eu teria a minha casa, o meu carro, e por incrível que pareça… A minha vida.
Agradeço a cada dia, pois estou empregado, ganhando pouco, mas feliz… E graças a tudo isto!
Autor: Eu mesmo e não se apegue ao que eu escrevi, caso contrário vá aprender BASIC.